Coloridas Vitrines by Iranilton Marcolino at Spillwords.com

Coloridas Vitrines

Coloridas Vitrines

written by: Iranilton Marcolino

@iraniltonmarcol

 

Sem pressa, Florescer se maquiava e, enquanto pintava o rosto, animava-se com a programação que teria aquela tarde. Ia novamente às compras. Quanto luxo, essa Florescer! No seu mundo particular, julgava-se uma mulher com quem todas as outras desejavam ter amizade. Mulher da sociedade, um dia seria assídua nas colunas sociais.

E a casa dela, então? Um verdadeiro palácio, na Rua Castelos, número 1.000. Tinha orgulho do seu lar, por assim dizer, uma mansão. Distribuía convites para qualquer pessoa, mesmo aquelas que acabara de conhecer, chamando para que visitassem sua casa. A intenção era mostrar seus móveis, sua piscina, área de lazer, seu palácio, enfim.

Tudo era fartura na casa de Florescer. Fazia questão de muito conforto para ela, o marido e os dois filhos pequenos. Nada podia faltar na hora de satisfazer os desejos daquela senhora.  A casa da Rua Castelos, número 1.000, era um bonito palácio de insaciáveis consumidores.

A rotatividade de tudo, por outro lado, era imensa. No dia a dia  o que no julgamento de Florescer não era digno de seu uso ia para o descarte. Sem demora. A cesta de lixo da casa vivia cheia de coisas que deram o que tinha de dar. Não era um lixo comum de restos de comida e outras coisinhas, como poderia ser. A cesta era o destino de brinquedos antigos substituídos pelos novos, roupas que já não tinham mais aquele brilho do começo, revistas lidas e relidas, além de móveis que por algum motivo ficaram meio antiquados, na opinião dela.

Florescer não ligava muito para o que perdeu a graça. Tinha dinheiro para buscar novidades, disposição para andar horas e horas no shopping e a internet pra comprar on line. Quem precisa de mais? No tempo livre, reunia amigos e amigas para bons momentos de conversa. Eventos – é claro – que se davam na área de lazer da sua casa. Na Rua Castelos, número 1.000. Orgulho da família!

Florescer era mimada. Não queria saber de problemas, de gente pobre, de qualquer coisa que desviasse sua atenção do que realmente interessava.

– A vida já é dura o bastante para que eu me preocupe com coisas pequenas – costumava repetir.

Era consciente do exagero de sua vaidade. No entanto, não se importava que isso pudesse incomodar alguém. Vaidade, pensava, é algo que todo mundo tem, não é coisa só de gente abastada.

Ela mesmo, a Florescer, tinha sua igual no território dos pouco contemplados com o que está exposto nos templos de consumo. A deslumbrada senhora cujos olhos brilhavam em frente a vitrines e anúncios de TV certamente nem imaginava que perto dali, numa favela que se formava nos arredores de sua casa, havia um barraco de luxo. Nem era uma casa, era um arranjo feito de papelão, pedaços de madeira e palha. Mas dentro dela, Meirinha se esmerava em dar o melhor para as filhas Missilene e Tinacharle.

O marido de Meirinha não tinha emprego. Virava-se. Havia dias de comida, mas também os de escassez dolorida. Catava papelão e latinhas de cerveja nos roteiros de festas e shows. Recolhia pelas ruas tudo que pudesse ser útil de alguma forma. Cada jornada era uma batalha. Só fazia o balanço da peregrinação quando voltava para o barraco, já à noite.

– Nós vive como Deus quer, minha filha – resignava-se dona Meirinha quando uma das filhas reclamava da falta de tudo.

Meirinha não sabia o que era o glamour da vida de Florescer. Mas andava cada vez mais parecida com ela. Há algum tempo vinha ganhando um certo gosto pelas coisas mais sofisticadas. Tinha agora um espelho grande – quebrado ao meio, mas um espelho dos enormes. Decorava com uma TV portátil uma banquinha de três pernas escorada com tijolos. A TV não funcionava, mas para ela só o espaço arrumadinho já era um luxo.

Os filhos enxergaram esse novo tempo de mais cuidados com a estética no barraco em que moravam. Observaram que Meirinha gastava um bocado de seu dia recuperando coisa que o marido trazia. Outro dia, passou toda a tarde costurando uma cortina rasgada que agora enfeitava a entrada de casa. Vivia a revirar as quinquilharias que o marido trazia da rua e sempre encontrava algo útil. Tinha lucrado muito nessas incursões. Conseguiu pratos, jarros, arranjos de flores, cadeiras novas e a relíquia de um estojo de maquiagem!

Meirinha andava feliz com a súbita prosperidade. Não tinha ideia de como o marido conseguia aquelas coisas. Ele até reclamara que recolhia tudo para que pudessem vender em ferro velho ou sucata pra fazer algum dinheiro, não pra usar no barraco.

– Sua mãe agora deu pra querer luxar – queixou-se outro dia a Missilene, a filha mais nova!

Foi só um desabafo. Passou. Não ia desagradar a mulher ou comprar briga. Além do mais, a fartura dos ricos parecia que nunca ia acabar. Sempre ia ter lixo pra revirar e encontrar algo de bom. O barraco da família reluzia e parece até que se destacava dos demais.

No fundo, o marido de Meirinha se orgulhava dos seus achados. E imaginava como era bom haver gente que não era muito apegada às coisas e liberava uma coisinha aqui e ali para os pobres. Uns mais, outros menos. Com suas andanças, o homem já conhecia os lugares com mais fartura, onde o lixo era dos bons. Uma vantagem no trabalho. A felicidade de Meirinha, por exemplo, só foi possível por causa desse entendimento da geografia do lugar.

Isso era fato. Zé Gonçalo encontrara sem templo de consumo, sua vitrine. Sentado na frente do barraco, fim da noite, fumando uma ponta de cigarro, ele observava o cenário. Estava tudo arrumadinho e ia ficar mais bonito ainda. Com fartura garantida, então… Na casa dos ricos, sempre sobrava algo. Era só ir pegar no seu “shopping” particular. Ali pertinho: Lá na cesta de lixo da Rua Castelos, número 1.000.

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